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Craques desfilaram talento em campos que não existem mais

 

Gerações passadas afirmam que muitos craques surgiram no Ipiranga porque havia campos para os garotos desenvolverem a habilidade. Os argumentos estão corretos, se levarmos em conta que o desenvolvimento imobiliário chegou pra ficar. Os espaços em que havia campos deram lugar a residências e condomínios e, consequentemente, tchau tchau, campos. Eles se perderam no tempo, como é o caso, por exemplo, de Heliópolis.

Mas Heliópolis é uma história à parte, pois o bairro não foi tomado pelo boom imobiliário, mas pela necessidade dos que não tinham onde morar. E eram muitos. Milhares. A região em que é hoje a Estrada das Lágrimas, anteriormente chamado de estrada do Mar, contava, entre as décadas de 1940 e 1960, com mais de 20 campos, todos desaparecidos após a construção de moradias. Eram campos de terra, separados por cerca de 20 metros entre um e outro.

Os finais de semana eram destinados aos festivais, competições em que os times locais mediam forças com times visitantes. A verdade é que, com a falta de documentação, é quase impossível cravar a quantidade exata de campos de futebol. O certo é que eles se estendiam do local em que foi erguida a Paróquia Santuário Santa Edwiges, um pouco à esquerda, até São João Clímaco. O Hospital Heliópolis fica em cima de onde foi o campo da Associação Atlética Portuguesa do Sacomã, a Portuguesinha.

A quantidade de campos na Estrada das Lágrimas e parte da avenida Almirante Delamare é proporcional aos números de times que havia na região. Jogaram ali o Guarani, Corinthians da Vila Bandeirante, Brasiliense, Banguzinho, Flor da Esperança, Flor do Pinhal, Flamengo de São João Clímaco, Copa Rio, Floresta, Milionários, Flor de São João Clímaco, entre outros. Os varzeanos levavam a sério a prática do esporte e, quando havia competições oficiais, o então governador, Ademar de Barros, chegava de helicóptero. O pouso da aeronave levantava poeira e as partidas tinham de ser interrompidas por até cinco minutos. Exceto o Flor de São João Clímaco, os demais times tiveram duração efêmera. Fizeram sucesso por algum tempo e há poucos registros da passagem deles pela região.

A avenida do Cursino

No tempo em que ainda era de terra batida e quase sem iluminação, também tinha campos de futebol. O mais destacado era quase ao lado da Escola Estadual Júlio Ribeiro. Ali jogava o Cometa da Vila Moraes, que revelou para o futebol profissional Rafael Camarota, considerado um dos maiores goleiros do Coritiba. Ele iniciou a carreira na base do Corinthians e passou por Ponte Preta,

Athletico-PR, Coritiba, Ferroviária, Sport Recife, Fortaleza, Grêmio Maringá, entre outros. Foi campeão brasileiro em 1985 com a camisa do Coxa.

Não muito longe dali, mais exatamente entre as avenidas do Cursino e Bosque da Saúde, o território era do Arsenal do Jardim da Saúde, time com idade média de 15 anos, e que, entre 1965 e 1967, dava sufoco nos adversários. O Arsenal revelou os laterais Paulinho e Roberto, e o meia Alexandre Bueno, mas poderia ter revelado outros jogadores. Paulinho, Roberto e Alexandre, mais conhecido como Jacaré, começaram na base do Santos, mas tiveram carreiras distintas. Paulinho jogou no Taubaté e no América, enquanto Jacará foi uma espécie de nômade da bola. Atuou em mais de 20 clubes. Roberto se transferiu em 1974 para o Universidad Católica, do México, onde jogou em outros clubes e acabou se tornando cidadão mexicano.

Antes de serem inauguradas as avenidas Doutor Ricardo Jafet e Professor Abraão de Morais, o nome da via era Estrada da Água Funda. Estendia-se até o Zoológico e era cercada basicamente por mato. Foi nesse cenário que, jogando pelo Corinthians do Bosque, surgiu Sérgio Echigo, criador do drible do elástico. O campo ficava no matagal, próximo à avenida Bosque da Saúde, e mesmo assim centenas de pessoas assistiam às partidas só para ver de perto a habilidade do nisei, que era chamado de Serginho Show. Ele começou na base do Corinthians, junto com Roberto Rivellino, mas a perda da irmã em um acidente de trânsito o abalou. Foi jogar no Japão, onde, após pendurar a chuteira, passou a ensinar aos orientais futebol e futsal. “Eu vi o japonês jogar e tenho certeza de que não estarei exagerando se disser que ele era igual ou até melhor que o Pelé”, compara o borracheiro Douglas de Assis Mendonça, de 79 anos. “O bairro parava nos dias de jogos do Corinthians, tudo por causa do Serginho”, recorda.

O local em que foi implantada a Chácara Klabin foi ocupado por anos pela favela Vergueiro e, ali, havia um time chamado Bahia. O ponta direita era Walter Zum-Zum, que defendeu o São Paulo, Portuguesa de Desportos, XV de Piracicaba, São José, Bonsucesso e encerrou a carreira, em 1973, no Berchem, da Bélgica. Outros campos perdidos ficavam na região em que foi aberta a avenida Presidente Tancredo Neves. Havia ali, entre outros, os campos do Metropolitano e do Santo Antônio, que deu lugar à Casa de Cultura Chico Science.

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