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É proibido proibir

Parece incrível, mas em pleno Século 21 a Justiça tem sido muitas vezes utilizada como tábua de salvação para evitar atos de censura e discriminação na sociedade brasileira. Na semana passada, por exemplo, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, quis impedir a venda de um livro na Bienal do Livro por suposto conteúdo impróprio. Precisou, então, o Supremo Tribunal Federal garantir a liberdade de expressão. Como bem definiu o ministro Dias Toffoli, o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias.
O duro é o STF ter de afirmar o óbvio somente porque Crivella ficou contrariado por causa do desenho de um beijo gay numa das páginas do HQ Vingadores, a Cruzada das Crianças, vendido em um dos estandes da Bienal. Ainda no Supremo, o ministro Celso de Mello destacou que atos com o do prefeito do Rio são um retrocesso. E mais: “um novo e sombrio tempo se anuncia, da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático”.
O beijo gay que tanto incomodou Crivella teve repercussão internacional. Ainda mais porque o Rio está afundado em problemas muito mais graves, como falta de vagas em creches e escolas e segurança publica precária. Crivella tem buscado uma pauta com viés moralista que relembra os tempos da Ditadura Militar. A justificativa do prefeito para mandar fiscais da Prefeitura recolherem a HQ foi de que o material afrontava o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mentes retrógradas estão espalhadas por toda a sociedade, mas nunca poderão se sobrepor à liberdade de expressão. O Brasil vive um momento sensível de sua história e atitudes como a de Crivella estão completamente fora do jogo democrático. Atrelar uma cena de beijo de gay a conteúdo impróprio vai contra a Constituição brasileira, que não diferencia casais héteros ou homoafetivos.
Se o plano de Crivella era aumentar a sua popularidade com a parcela mais conservadora da sociedade, acabou tendo o resultado inverso. A Bienal do Livro deveria ser um momento de celebração da cultura. Segundo dados divulgados pelos organizadores, entre os dias 30 de agosto e 8 de setembro, cerca de 600 mil pessoas frequentaram o evento. Estima-se que tenham sido vendidos 4 milhões de exemplares em dez dias de evento. Tudo isso em meio à crise do mercado editorial.
Todo mundo, no entanto, só fala sobre a censura do livro com o beijo gay e outras cidades têm aproveitado esse momento. O prefeito de Salvador, ACM Neto, por exemplo, anunciou que em 2020 a cidade organizará a Bienal do Livro, que não acontece na capital baiana há seis anos. ACM Neto aproveitou para provocar Crivella. “Somos a cidade da diversidade. Aqui é proibido censurar”, alfinetou. Pior para o Rio.

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