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Time tem a missão de valorizar a raça negra

 

O noticiário do início da década de 1970 destacava os movimentos estratégicos de americanos e soviéticos no xadrez da Guerra Fria, e falava também do cabelo à moda black dos Panteras Negras

Em São Paulo, de olho nos acontecimentos, um grupo de amigos trocava passes com o objetivo de realizar um sonho: criar um time politizado de futebol. Surgiu, assim, no dia 24 de dezembro de 1972, o Grêmio Esportivo Black Power, um time com uma missão.

A missão era defender com dignidade a raça negra, mostrar ao Brasil e ao mundo o valor dos negros. A proposta vingou e, durante os cinco primeiros anos, apenas afro-brasileiros vestiram a camisa do Black Power. “Fundamos um time de futebol formado por jogadores negros, de cabelo cheio, que, além do domínio da bola, queriam exaltar sua posição contra a segregação racial existente em todos os cantos do planeta”, observa Édson Aparecido Corrêa, o Branca, presidente, treinador e um faz-tudo na agremiação.

Branca não esconde que o Black é um filho, hoje com 47 anos de glórias e conquistas, mas também de muita luta. Dificuldades financeiras sempre estiveram presentes na trajetória do clube do Alto do Ipiranga. “É difícil manter uma equipe amadora”, ele avalia. “Pago tudo do próprio bolso, só eu sei como é. Precisamos de pessoas para nos ajudar, desde os uniformes até a locomoção dos atletas”, argumenta Branca, que comanda o Black do bar que a família mantém há cerca de 20 anos.

O “esporte”, adulto que é o quadro principal de um clube de várzea, está momentaneamente parado, mas o Black tem em atividade quatro equipes da base (sub-11, sub-13, sub-15 e sub-17, e está criando também o sub-10) e os veteranos: sub-35, sub-40 e sub-50. Os gastos mensais para colocar os times em campo chegam a R$ 1,5 mil. “Eu preciso de alguém para garantir pelo menos o lanche dos garotos”, comenta o presidente.

“Nós somos detentores da segunda melhor campanha do Desafio ao Galo, perdendo apenas para o Parque da Mooca”, lembra Branca. Ele calcula que o Black tenha conquistado mais de mil troféus em 47 anos de existência. “É muito troféu, pois foram mais de 50 campeonatos em todas as categorias.

 

Encontro ilustre em São Paulo

Branca tem clube como filho. “Nunca tivemos campo próprio”, lamenta Branca, de 65 anos, cabelo branco, mas muita disposição para levar adiante não um time de futebol, mas um projeto de vida. “Não temos sede, nem patrocinador fixo. Os times de várzea são assim: pouco dinheiro, escassas ajudas, mas muita vontade e dedicação, prevalecendo sempre o amor à camisa”, define. Mas nem sempre foi assim, segundo Branca. “Nós já tivemos uma sede. De 1991 a 1995, alugamos um sobrado no Ipiranga, depois nos mudamos para um maior, na rua Vergueiro, onde ficamos um bom tempo”, ele recorda.

 

Desfile de Craques

Atletas profissionais também vestiram o manto do Grêmio Esportivo Black Power, sempre um revelador de talentos. Estão entre eles Ataliba, Dinei e Mossoró, do Corinthians; Toinho, do São Paulo; Denizinho, do Palmeiras; Benassi, da Portuguesa; Mardoni, do Grêmio de Football Portoalegrense; Paulinho (Paulo Sérgio Ramos de Souza), do Santos, América de Rio Preto e Taubaté; Robertão (Roberto da Silva), do Santos, Botafogo de Ribeirão Preto e futebol mexicano; Alexandre Bueno, do Santos, entre outros clubes; e Róbson Pontes, do Bayer Leverkusen, da Alemanha. O meia Assis, que no Fluminense formou com Washington o “casal 20” também defendeu o Black. Uma dupla de ataque que brilhou na década de 1970 e início dos 80 foi Paulinho Faria e Sauá, apelido de Washington Nunes de Oliveira, já falecido.

Jogadores politizados

A página eletrônica do Black mostra que os fundadores do clube eram antenados nos fatos que ocorriam no mundo. Diz o texto postado na internet: “Os anos 60 foram marcados pela união da rebeldia, com um potencial criativo, um idealismo marcante e abrangente, uma força e um poder que os jovens jamais haviam experimentado. Foi uma época de mudanças”. Diz mais: “Um movimento que refletiu bem essa época de contestações ocorreu durante os jogos Olímpicos no México, em 1968. Eram homens que lutavam contra a discriminação racial e atraíram a atenção do público para a causa que representavam”.

A postagem refere-se aos corredores norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, respectivamente 1º e 3º lugares na prova de 200 metros de atletismo. Eles subiram ao pódio com luvas pretas e punhos cerrados, gesto característico dos integrantes do movimento Black Power, e que rapidamente espalhou pelo planeta. Eles também se recusaram a olhar para a bandeira americana e a cantar o hino dos Estados Unidos. O protesto antirracista de Smith e Carlos teria sido motivado pelo assassinato do pastor protestante e ativista político Martin Luther King no dia 4 de abril de 1968. Luther King lutava pela causa negra no país e foi executado a tiros em frente ao hotel em que havia se hospedado, em Memphis, no Tennessee, pouco antes de fazer um pronunciamento à nação. Uma frase dele é lembrada até hoje: “I have a dream”, ou, “eu tenho um sonho”.

Tudo isso era acompanhado pelos criadores do Black. “Somos uma família muito grande, nos reuníamos todo final de ano para comemorar o Natal e, nessas ocasiões, sempre fazíamos uma pelada, até que resolvemos criar um time de futebol formado por parentes e amigos”, recorda Branca. “Quando começamos, tínhamos um nome definido: pensamos primeiro em Águia Negra, depois Cartola e por fim nós decidimos por Black Power por causa do cabelo do movimento negro americano”, conclui.

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