Ter a oportunidade de deixar de viver na rua e levar os filhos para um lar foi como encontrar uma luz e sair de um túnel escuro, na opinião da auxiliar de limpeza Marcela Santille, de 42 anos, que compõe uma das 100 famílias em situação de rua que vão morar na Vila Reencontro Pari, inaugurada nesta segunda-feira (9) pelo prefeito Ricardo Nunes. A prioridade das vilas é acolher famílias com filhos.
“Eu já estava pensando em colocar os meus filhos em um abrigo por não ter lugar para ficar com eles. Ficava na chuva, dormindo em barraca, eles pediam as coisas e não tinha, mas hoje eu tenho a oportunidade de poder ter tudo o que eles pedem”, disse Marcela ao lado do marido e dos filhos, de 2 e 4 anos.
Agora, a família vive em uma casa modular de 18m², com banheiro, pias, mobiliada, onde recebem diariamente café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar. “Agradeço muito a Deus por estar aqui hoje e poder ter a minha vida de volta, voltar a trabalhar e colocar os meus filhos na escola.”
O programa é focado na conquista da autonomia dos usuários por meio da reinserção no mercado de trabalho e da reconstrução dos vínculos sociais e familiares. Cada família pode permanecer entre 12 e 24 meses nas moradias transitórias e deve participar de capacitação profissional e outros atendimentos sociais com o objetivo de ganho de independência.
O secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), Carlos Bezerra, ressaltou a importância da Vila Reencontro para o preparo de seus moradores de forma global. “São Paulo entrega hoje um modelo de dignidade nunca antes feito na cidade. As duas primeiras vilas já têm 78 pessoas com saída qualificada, 22 famílias que conquistaram autonomia para irem para a sua própria moradia, com emprego ou que buscaram instrumentos para voltar à sua cidade de origem”, afirmou durante a inauguração.
“Eu sempre corri atrás da nossa independência, da nossa autonomia, do nosso respeito e da dignidade. Por isso eu só tenho a agradecer pelo momento, pela conquista e por esta oportunidade, que eu sei que daqui sairão muitas. Só temos que aproveitar e não desperdiçar essa chance, que será muito boa” disse a moradora Fabiana Aparecida de Jesus ao discursar ao lado do prefeito.
Como todas as outras unidades, a Vila Reencontro Pari dispõe de lavanderia comunitária, brinquedoteca, playground e quadra de futebol em áreas comuns, além de duas salas administrativas e uma sala para atendimentos sociais.
“A Vila Reencontro é muito especial, por enfrentar de uma maneira eficiente e inovadora este problema, muito agravado durante a pandemia de Covid-19, que é a população em situação de rua. A Prefeitura como um todo tem se empenhado para enfrentar esse desafio, que é grande”, disse a secretária de Relações Internacionais, Marta Suplicy.
A secretária de Direitos Humanos e Cidadania, Soninha Francine, também falou sobre as ações da administração municipal na defesa e atenção aos mais vulneráveis, como a distribuição de 15 mil refeições prontas em vários locais da cidade, incluindo favelas e a região central, para pessoas vivendo em situação de rua ou em condições muito difíceis. “Também são distribuídas diariamente de 7 mil a 10 mil cestas básicas, tudo isso para combater a fome, mas queremos ir além disso e trabalhar sempre para a promoção da cidadania para que as pessoas não recebam simplesmente uma marmita para comer onde der e do jeito que der”, disse Soninha.
Vila Reencontro Pari
Com 100 unidades para abrigar até 400 pessoas em situação de rua, a Vila Reencontro Pari é a maior das três unidades entregues pela Prefeitura em 11 meses. Por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), foram investidos R$ 6,9 milhões na instalação dos módulos. O serviço de acolhimento é inspirado no modelo Housing First (“Moradia Primeiro”).
As unidades, de 18m² cada, estão instaladas em um terreno de 8 mil m², equipadas com banheiros e pias e são mobiliadas de acordo com a configuração familiar, podendo ter camas de casal ou beliches e berços, guarda-roupas e fogões de duas bocas. Diariamente, serão servidos café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar.
Os critérios para acolhimento nas moradias transitórias são as informações do CadÚnico, as famílias em que as mulheres são as responsáveis, núcleos familiares com crianças e adolescentes e que estejam em situação de rua por um período de seis meses a 36 meses.
O projeto tem três eixos de atuação: conexão, cuidado e oportunidade. O primeiro visa a estimular a recriação de vínculos preexistentes e o fortalecimento da rede de apoio. O primeiro elemento de conexão entre o poder público e o indivíduo em situação de rua é a abordagem social, sendo, portanto, um instrumento fundamental de vinculação das pessoas à política pública e às demais etapas e eixos do Programa Reencontro.
Já no segundo eixo, serão oferecidas moradias subsidiadas para aqueles que não possuem renda suficiente, nas seguintes modalidades: locação social, que é o aluguel subsidiado conforme renda; a renda mínima ou o auxílio pecuniário para pessoas sem problemas de drogadição; moradia transitória ou as unidades com alta rotatividade para que se busque evitar o processo de cronificação, promovendo rápido resgate da autonomia.
O eixo oportunidade, por fim, consiste na intermediação de mão de obra e emprego, através da capacitação profissional, da alocação em contratos públicos (Decreto nº 59.252/20), da busca ativa por vagas e do estímulo à contratação no setor privado.
A Vila Reencontro Pari será administrada pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Associação Evangélica Beneficente – AEB, entidade com 95 anos de história e com larga expertise no trabalho de acolhimento a pessoas em situação de rua.
Este é o terceiro equipamento do gênero instalado na cidade em apenas 11 meses. A primeira unidade da Vila Reencontro foi entregue na véspera do Natal de 2022 em um terreno no bairro do Canindé, região central da cidade. Hoje, 37 famílias (127 pessoas) estão abrigadas na Vila Reencontro Cruzeiro do Sul.
Já em fevereiro de 2023, a Prefeitura inaugurou a Vila Reencontro Anhangabaú em um terreno na Ladeira da Memória, região central da cidade. A Vila tem 49 unidades modulares, sendo que nove são para funções administrativas, como sala de atendimento, espaço multiuso, brinquedoteca, e outras 40 unidades para moradia, que comportam até quatro pessoas. Atualmente, moram 37 famílias (105 pessoas) no serviço.
O perfil das famílias que estão na Vila Reencontro foi definido pelos critérios de elegibilidades específicos e constantes na Portaria 95/2022. São casais com filhos, pai ou mãe solo e outras composições familiares com até uma criança. Há, ainda, outros critérios de priorização estabelecidos, tais como presença de crianças de 0 a seis anos e mulheres com histórico de violência doméstica.
Intervenção artística
A intervenção artística da Vila Reencontro Pari foi guiada por Marcelo Zuffo, professor de Arte e História da Arte, que também realizou as intervenções artísticas na Vila Reencontro Cruzeiro do Sul I e Vila Reencontro Anhangabaú. Zuffo liderou um coletivo de 14 artistas que exploraram linguagens e técnicas para homenagear o povo nordestino. Toda a parte de alvenaria das casas modulares foi ilustrada como cordéis com narrativas de histórias familiares.
“Nos preocupamos em garantir uma arte acolhedora e que pudesse representar os estilos da população que frequenta o projeto. Para a Vila Reencontro Pari, também trouxemos a arte de duas mulheres grafiteiras, a Fôlego e a Serifa, e de três artistas refugiados da Tunísia e da República do Congo, que agradeceram a acolhida empregando na Vila desenhos com características da cultura afro-brasileira”, contou Marcelo.
Os módulos duplos receberam ainda painéis do grafiteiro Camilo, que explora a técnica do hiper-realismo, conferindo aos desenhos semelhança de fotografias. Um dos painéis retrata uma assistente social amparando uma criança quando a mãe sai para trabalhar, enquanto um outro módulo estampa a figura lúdica de uma criança deitada lendo um livro.
Equipe multidisciplinar
Na Vila Reencontro Pari serão desenvolvidas com os moradores ações de acolhida de indivíduo ou grupo socioafetivo, promoção de direitos por meio do acesso à rede de políticas públicas, capacitação e apoio à inclusão socioprodutiva, promoção de participação e viabilização da cogestão do espaço, ações visando à integração familiar e comunitária, promoção de atividades para a apropriação de espaços comuns, desenvolvimento de habilidades socioemocionais e acompanhamento individualizado com o intuito de promover a saída qualificada do serviço – quando o acolhido conquista a autonomia.
Para isso, a Vila conta com uma equipe técnica multidisciplinar com um total de 70 profissionais como psicólogos, pedagogos, supervisores de cogestão e inserção laboral, supervisores de saúde, educação e acompanhamento social, além de assistentes de campo diurno e noturno. Compõem, ainda, o quadro de funcionários, auxiliares administrativos, cozinheiros, auxiliares de cozinha, responsáveis pela manutenção predial e auxiliares de serviços gerais.
Flávio Bezerra da Silva trabalhava de frentista e, assim como muitas pessoas, acabou se vendo obrigado a morar em uma barraca durante a pandemia, em 2020. Silva e a família foram abrigados em um hotel social, até conseguir uma unidade na Vila Reencontro Pari. “Agora quero buscar um emprego fixo para conquistar a nossa casa própria”, disse.
Rede Socioassistencial
A capital possui a maior rede socioassistencial da América Latina, com cerca de 25 mil vagas de acolhimento para pessoas em situação de rua, distribuídas em Centros de Acolhida, 4 mil em hotéis sociais, além de Repúblicas para Adultos, Vilas Reencontro, entre outros.
O encaminhamento para os serviços de acolhimento da rede socioassistencial é feito de acordo com o perfil do indivíduo e com a tipologia do serviço, respeitando o histórico da pessoa ou família a ser acolhida.