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Um título mudou a história

Meu primeiro contato com o Miranda Jordão foi no “mesão” da redação do Diário Popular em 1988, no dia da eleição para a Prefeitura de São Paulo. Eu e Luiz Antonio de Paula, então editor do jornal, estávamos conversando com Valmir Salaro, repórter da editoria de Polícia e que também trabalhava na Jovem Pan. O relato de Valmir era de que pesquisa de boca de urna feita pela rádio apontava vitória de Luiza Erundina (PT) contra Paulo Maluf (PDS). A emissora mandara refazer por duas vezes a tabulação e o resultado era o mesmo: vitória de Erundina. Cautelosa, pois dois dias antes das eleições as pesquisas apontavam vitória com folga de Maluf, a Jovem Pan resolvera não divulgar.
Ao nosso lado, Miranda ouvia atentamente a fala de Valmir. Ele estava assumindo a direção da redação naquele dia. Olhou para mim e o Luiz e foi enfático: nossa manchete está aí. Chamou o Sidney, que diagramava a primeira página, e sugeriu “corpo 120 em seis colunas, ERUNDINA PREFEITA”. Que acham? Era uma pergunta com tom de afirmação. Olhou para Valmir e foi direto ao assunto: faça a matéria e atribua a fonte da informação à pesquisa da Jovem Pan.
Valmir ainda tentou se explicar dizendo que a Pan estava cautelosa com o resultado. A pesquisa é séria e o eleitor merece respeito, respondeu Miranda. Em seguida, ligou para o secretario gráfico e mandou aumentar a tiragem do jornal.
Às 4 da manhã do dia seguinte, com o Diário Popular nas ruas, a Jovem Pan assumiu a pesquisa e anunciou a vitória de Erundina. Nas bancas, o jornal esgotou rapidamente.
Naquela noite, saí da redação feliz, na certeza de que minha opção em ser jornalista foi acertada. Ela tinha sido motivada por uma manchete de jornal. Eu tinha 12 anos, morava no Recife. Passando em frente a uma banca de jornal vi a manchete do Diário da Noite em letras garrafais: “GUERRA EM ALTO MAR”. Comecei a imaginar como seria uma guerra em alto mar. Voltei para casa e encontrei minha adorada e querida avó Alice. Disse que precisava de dinheiro para comprar um jornal, no que ela duvidou, mas me deu com a garantia de que eu mostraria o jornal assim que comprasse. Ao chegar em casa, fui direto para meu quarto. Ao lado da manchete estava: Página 5. Comecei a folhear vagarosamente. Ao chegar à página 5, estava lá a matéria: “GOVERNADOR PAULO GUERRA VISITA NAVIO DA MARINHA ANCORADO EM ALTO MAR”. A partir daquele momento não tive dúvidas: iria ser jornalista.
Anos depois, em São Paulo, secretário de redação no Diário Popular, graças ao convite do meu eterno amigo Luiz Antonio de Paula, tive a certeza de que a força de um título jornalístico é capaz de mudar a história: mudou a minha, que optei por ser jornalista, mudou a de São Paulo, que graças à determinação de Miranda Jordão evitou que a eleição para a Prefeitura sofresse manipulação e garantiu que a decisão popular assegurasse a vitória de Erundina como a primeira mulher prefeita de São Paulo. Nos sete anos seguintes (1988 a 1995) que trabalhei com Miranda Jordão, tive, diariamente na redação, ou na mesa de um botequim, convivência com um profissional que deixou para as gerações que conviveram com ele o legado de que o respeito ao direito de expressão e à ética profissional no jornalismo são princípios fundamentais para a formação de uma sociedade justa e o fortalecimento da democracia.
Miranda Jordão morreu no dia 10 de fevereiro de 2020, aos 87 anos, no Rio de Janeiro. Ao longo da sua carreira, acumulou passagens pelos jornais Última Hora, Folha da Tarde, Diário Popular e O Dia.

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